domingo, 22 de agosto de 2010

Flores e cores da relva


       Cruzando a linha do trem em meu caminho de volta para casa, deparei-me com as cores do entardecer vestindo a relva a contornar a orla da linha férrea como uma delicada renda. 

       Parado diante daquela vista que vinha para ficar comigo, lembrei-me de anos atrás quando fui buscar meu filho Yung na saída do jardim da infância só para voltarmos pelas margens da linha do trem. Ele, um toquinho de gente, e que corria, corria sem parar pela mesma relva em cores brilhantes. Deixei-o distanciar-se de mim só para que a experiência ficasse livre para ele.


       Desta vez eu estava com uma câmera digital presa à cinta, mas sabia que nenhum recurso fotográfico reproduziria os sentimentos que aquela imagem evocava em mim.

       Tirar fotos dali foi um privilégio, pois o acesso, segundo informações obtidas com funcionários da MRS no barracão de abastecimento de locomotivas a diesel, toda extensão da linha férrea, de Jundiaí a Rio Grande da Serra, está sendo interdito a pedestre através da instalação de cercas em suas margens. Disseram-me que o sangue de pequenos animais atropelados danifica o maquinário sob os vagões.
       
Liguei pra estação ferroviária. Informaram-me que as cercas se deviam a inúmeros acidentes por invasão de domínio e que geram altos custos com indenizações. Imagino eu que, alguns destes, provocados por pessoas desesperadas e em busca de auxílio-invalidez, mas em número não maior que zero vírgula zero alguma coisa.


- Afora isto, PôXA! será se municípios e governo do estado ao lado de técnicos da MRS e CPTM não teriam soluções integradas e em especial atenção à muita gente que precisa cortar caminho pela linha do trem? Uma cerca aqui, uma passarela ali, placas de sinalização, sinais automáticos de advertência sonora e assim por diante? Afinal, é só por a cabeça para pensar.

Definitivamente,
atravessar a linha do trem é uma necessidade inconteste a pedestres. Cercá-la é deixar que estes se danem pela extensão dos longos contornos à pé, muitas vezes sob sol e chuva. E também que se danem com o tempo gasto somado ao custo de transporte urbano, custo este que é debitado do que se põem à mesa para comer ou de remédios que se tenha de comprar. E vejam só, estamos em época de eleições e os politiqueiros e espertalhões de plantão estão por todo canto à caça de voto. Alguém acredita que os tais representantes do povo ponham atenção neste particular de sofrimento e dor. E olha que estamos falando de velhinhos, mulheres com criança no colo, gente doente, outras com fome e etecétera e tal. A propósito, estou cansado de ver a risadinha dos políticos em banners emporcalhando o visual das ruas da cidade. Meu voto irá para aquele que tiver a vergonha estampada na foto.

Espaços urbanos como o da linha do trem (desde 1867), estão carregados de sentimentos. São estes espaços que formatam o psiquismo do cidadão e que não só merecem como devem ser respeitados.



       No site da CPTM, vi que a tal companhia atende a 89 estações num total de 22 municípios, ao longo de seus 260,8 quilômetros de linhas operacionais.  Considerando as duas margens da linha férrea, dá pra imaginar 420 km de cerca? Possivelmente a maior cerca de ferro do mundo e um negócio da China. Quantas toneladas deste metal e solda foram gastos? e o rio de tinta, ou quantos metros cúbicos de comporta? E mais, quantos carros fortes precisariam para enchê-lo do gasto representado por dinheiro em papel? e, finalmente, nesta república do "abra-te Sézamo" porque não desconfiar de quantas cuecas fortes se precisou para trasladar o que escapou pelo ladrão? Ai se a moda pega pela extensão continental de nosso país retalhado por ferrovias!!!

O dinheiro gerado por todas as cidades constantes neste esquema metropolitano de linhas férreas é o maior do continente latino-americano, e merece investimentos mais inteligentes, honestos e humanizantes. Que saudades de um Mário Covas!

Não acho honesto alguém ser atraopelado pelo trem e a MRS e a CPTM se auto-eximir da indenização e, como Pilatos, também da culpa sob a alegação de que fizeram a cerca preventiva, entrementes, se esta ação se deveu-se à nobre intenção de se preservar vidas, então, que também as rodovias intermunicipais e estaduais sejam cercadas. Diz um axioma popular que "a burrice não tem tamanho", mas tem, ela vai, neste caso e até onde sei, de Jundiaí a Rio Grande da Serra.

Vejam a minha postagem de segunda-feira, 16 de agosto, para se entender o resto deste manifesto de fundo essencialmente poético, e que ele possa cumprir o seu fim útil. A questão é que por estas plagas ainda não alcançamos o patamar do que se pode chamar de civilização humana, ou pelo menos até quando tivermos mais construtores de cercas que construtores de uma nação.

 Jairo Ramos Toffanetto 

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