terça-feira, 4 de outubro de 2011

A ovelha e seu filhotinho (Crônica de 2003)

No clube de campo (da completude) - 1



A
escuridão do quarto é total. Tanto faz ficar de olhos abertos ou fechados. Ocorre-me não saber o espaço de tempo que há até ao alvorecer e não me importo. Lá fora, a longa noite escura e o açoite desolador do vento gelado. Ao relento, um carneirinho chama insistentemente pela mãe. Isto me entretém, pois ela não lhe responde.

Do quarto para a sala vou tateando até encontrar a espreguiçadeira. O frio vai calando em meus pés. Finalmente, a ovelha-mãe responde ao seu filhotinho aflito, e o faz uma única vez. O carneirinho continua a chamar por ela, mas a intervalos cada vez mais distantes.  Já não o sinto aflito. Sinto que a mãe, sabendo da impossibilidade de se encontrarem naquele negrume, respondeu-lhe num só bramido:

- Está tudo bem. Estou por aqui. Logo se fará luz no pasto e estaremos juntos novamente .

Ela sabe que seu bichinho está com um casaquinho maravilhoso, na medida certa daquele frio sem igual. Não há lobo mau que os ameace. A fatalidade passa longe dali. A ansiedade da fome passará. A espera... a espera do aconchego é dever de casa, ou de que outro modo o rebento aprenderá a compassividade. A ausência de quem se ama é sintoma da maior presença.
. . .

Ao dia, quase sempre tem um filhote chamando insistentemente pela mãe. Localizam-se pelos seus balidos. De repente o filhote dispara a correr. O seu cordão umbilical ainda se mantém. A mãe o espera junto da cerca.

Com o pasto muito próximo do módulo onde estou, ouço-os o tempo todo. É da sacada que vejo uma ovelha tomando a iniciativa de chamar o filhote. Com a úbere cheia, a mãe o chama repetidas vezes. Este já é bem crescido, encorpado e lanudo. Responde com um “mé-é-é” de singular poética, a do carinho. Certamente ele já come demais e mama de menos.

- QUÉ-É-É-É, pergunta-lhe a mãe.
O carneirinho responde:
- Qué-é-é-é. Qué-é-é-é. Qué-é-é-é.

Assim vai, até que, finalmente, no cedinho da manhãzinha ele dispara ao encontro da sua mamãezinha. Vem trotando, as orelhas jogando-se para o alto, cima e pra baixo. Seus saltos são os mais graciosos do mundo todo.

Que doce ventura... E mama e mama... Depois eles se vão, lado a lado, juntos. O filhote roça seu corpo no da mãe. É a paz dos campos, a comunhão das criaturas. Cenas sagradas.

A doçura... o encanto é tamanho que deu vontade ir correndo caminhar com eles, de tocar, uma flauta bamba do bambú, de fundir-ma aos verdes pastos mas... o bichinho já estava no colo da minha mente sentido-os juntinhos ao meu cobertor pura lã
 branca. assim como minha patufa, minhas luvas forradas 
da mesma lã, mas, 
                       de inopino, da relva levanta-se o maior bode já visto e vem troteando em minha direção. Na certa ele vinha pra bater cabeça comigo mas,
            eu  não tinha cabeça prá isso, isto é um fato.

Jairo Ramos Toffanetto 

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