sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

O homem do fim do mundo (crônica)



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Vila Mariana-SP. Trinta e dois graus à sombra. Chego à Rua Domingos de Moraes e entro num lugar onde havia cerca de cento e trinta pessoas sentadas aguardando seu número de senha piscar num painel luminoso. Fui passando por elas à procura de um lugar para me sentar. Gente se abanando, outros dormindo com a cabeça pendida pro lado do ombro, muitos de braços cruzados sobre o peito, imóveis como pedra enquanto outros se reviravam nas cadeiras. O desconforto era geral.


Achei um único assento. Era tudo que eu precisava para finalizar a leitura do livro “A arte da Vida” do pensador Zygmunt Bauman. Para mim, um livro mais interessante que importante. Para dar divertimento, lia-o como uma ficção futurista em tempo presente. Um dia destes eu comento Bauman.
Ao sentar dei-me conta de muita gente em redor falando sobre a profecia Maia do fim do mundo com data marcada: vinte um de dezembro. Diziam:
- Desta vez não escapa. É a última sexta-feira do ano, disse uma velha senhora.
- Então pode esquecer o Natal, afirmou uma outra.
- Que nada, vamos passar o Natal no céu. Respondeu uma que estava mais ao fundo.
- Ou no inferno, assados e dentro de uma bandeja na mesa do“coisa ruim”. Disse um homem em tom ríspido.
Um velhinho de boina corrigiu o que ouvira:
- O inferno é aonde estamos agora, quente pra burro, sem ar condicionado ou ventilador e com um montão de gente em fila. Se o fim do mundo fosse agora, pelo menos morreríamos sentados.
A mulher que estava ao meu lado interveio:
- O inferno deste lugar quente e abafado acaba em mais ou menos duas horas, isto é, se tivermos muita sorte.
Uma mulher de trinta anos exclamou inconformada com o que estava ouvindo:
- Ai... o fim do mundo... gente, eu tenho uma filhinha de três anos. Não acredito no fim de coisa alguma, e nem quero saber desta conversa fiada, tenho mais no que pensar.
Um homem sentado à sua frente voltou-se para trás para dar uma espiadela em quem acabara de falar, e a mulher desejosa em abafar o assunto, perguntou a ele:
- E o senhor... acredita no fim do mundo pra semana que vem?
No fundo ela estava com medo danado e queria ter alguém do lado dela para o escorar, mas batera em porta errada. O cara não tinha nenhuma vocação para bengala. Respondeu-lhe assim:
- Moça, não é questão de acreditar ou não. Será o fim do mundo, afirmou ele. Garanto-te que as crianças se salvarão, portanto, cuide-se para que sua filhinha não fique órfã.
Uma estudante com livros e uma brochura no colo saiu em defesa da mulher  e ao homem do fim do mundose dirigiu com desafiadora ironia:
- Jura? Então você deve saber como será, não é mesmo!

Ele respondeu com impassividade:
 
- Você já viu um tipo de mata-moscas antigo que atraía o inseto com uma luz roxa? Pois então, quando elas se aproximavam daquela luz levavam uma espécie de “bizzzt” e caiam mortas ao chão. Pois o fim do mundo será algo parecido com isto. Uma luz roxa entrará no planeta e os que não estiverem preparados para ela cairão como moscas ao chão.
- Ai minha Nossa Senhora, exclamou a "mulher da filhinha".
Ninguém mais abriu a boca. Voltei-me pro meu livro, mas nem deu tempo de terminar o parágrafo. porque um homem lá do fundo instava alguém em voz alta:
- O “fio”, cutuca ele. Cutuca ele, "fio".
O homem do fim do mundo foi cutucado. Ao olhar para trás viu um brutamonte de pé que o mirava como se ele fosse um inseto:
- Qual é a religião do senhor?
- Religião do Senhor... Jesus não seguia religião nenhuma, moço.
- Cara, tô perguntando qual é a tua religião. Responda-me o que te perguntei, disse o "fortão" metendo bronca.
O cara do “fim do mundo” não se dobrou, respondeu-lhe em desafio:
- Se eu tivesse alguma religião aposto que não seria a mesma que a tua.
- Mas quem você pensa que é?
- Não penso... e fechou os olhos apontando-os para o alto da testa. Ao abrir as pálpebras o brutamonte viu, por primeiro, os branco dos olhos do cara do fim do mundo e, no instante seguinte, a bola dos olhos batendo contra as dele:
- “Virgi Maria” exclamou arrepiada a mulher da filhinha.

Lacônico, o homem do fim do mundo completou a frase:
- Sou aquele que monta o cavalo de fogo.
O brutamonte fez dois sinais da cruz e se sentou como um cachorrinho subserviente, e ninguém mais ousou dizer uma única palavra.
Moral da história:
1. Não olhe para o lado se o assunto da conversa em volta não te diz respeito.
2. Numa roda de conversa mole, daquelas que se usa para matar o tempo, não puxe ninguém para entrar. Deixe que os afins entrem de livre e espontânea vontade.
 
Jairo Ramos Toffanetto

 

 

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