terça-feira, 28 de outubro de 2014

Deu Zebra (Subúrbio Jdí-SP em crônica - 4)


Google Imagens (reeditado)
Eu vinha sentado na cadeira de plástico duro ao lado de uma das portas de entrada do subúrbio para São Paulo. Para mim, o camarote de preferência diante do palco de todo vagão. A vida suburbana se passa ali através dos tipos mais diferentes de gente. Muitos entram sonambúlicos, outros estampando cara de sonho, também os indiferentes, enquanto outros correm os olhos em redor, e ainda aqueles como que se entregando ao massacre, ao moer da carne, ao descaderamento dos ossos de cada dia. Mas tem aqueles que vão com todo o vigor para a batalha, à luta.

O trem para na Estação Perus e as portas se abrem. Em uma delas ninguém sai e não há espaço para ninguém entrar. Três negões impedem que elas se fechem e que o trem saia. As pessoas, inibidas pelo tamanho dos "caras" se ajeitam daqui e dali abrindo espaço para eles. As portas estão a um palmo de se fecharem quando um velhinho, tentando embarcar, trava-as com o pé e as portas novamente se abrem.

Ele tenta abrir espaço entre  os negões. Um deles se vira pro velhinho e lhe diz que não cabe mais ninguém. Irritado, o velhinho força abrir caminho entre eles. O negão espana-o pra fora e até com certo cuidado para que ele não caia na plataforma. A porta do trem finalmente se fecha. Do lado de fora o velhinho lhe xinga a mãe e, depois, acrescenta:
- Vem prá fora que eu vou te mostrar uma coisa.

Ao longo da composição de vagões, por algum motivo as portas se reabrem. Pois o negão, postado entre elas, imobiliza o velhinho pegando-o pelo pescoço e com a outra mão lhe dá dois tapas, um com a palma e outro com as costas da mão direita. Vira-se para o lado de dentro do vagão e as portas se fecham às suas costas. O trem parte.

Ninguém arriscava olhar pro negão. Todos estavam apopléticos com o que viram ou, pelo menos, até que um barrigudo espirra e se segue uma voz feminina exclamando com nojo:
- Pronto, lavaram o meu braço.

Risos discretos em redor. Mas alguém, perdido no meio daquela aglomeração de gente, solta esta em bom tom de voz:
- Porque este verme não espirrou no braço do negão.
O riso foi geral e contínuo. Uma catarse. Até os negões riram.
Pra judiar um pouco mais do “cara de verme”, um outro ajunta:
- Aí ele ia ver que bicho ia dar. E outro mais:
- Bicho? Meu palpite é zebra, do primeiro ao quinto prêmio.
O que estava ao seu lado, talvez um colega, adverte-o dizendo:
- Se for tirar por você, vai dar é burro. Olha lá o tamanho do negão, ele não tá gostando nada disto.
O Negão não parava de rir.

JRToffanetto

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