sábado, 23 de julho de 2016

Ismael Nery - Textos _Poema (1931)

O título "Poema", adjacente ao texto diverso, não é para ser entendido, mas sentido. Dizê-lo, roubaria o objeto da criação de Ismael Nery? (JRT) 


POEMA (1931)

Estou de olhos no telescópio que está dentro da barriga aberta pela cúpula. Observo a lua, a filha da lua, a neta da lua, toda a família, menos o marido dela. Eu gosto da cor da lua mas acho incompleta a sua forma. A lua é uma mulher gorda, que parece magra, magríssima, abstrata. Eu gosto das mulheres abstratas que vêm ao mundo sem pai nem mãe nem irmãos, e que não nasceram em nenhum país nem tão pouco no mar. Gosto mais de ter uma mulher em pé na minha cabeça do que pendurada em meu pescoço. O meu pescoço, às vezes, não agüenta bem o peso da minha cabeça, porque ela está cheia de coisa que quase sempre eu não gosto. Tenho uma formidável atração pelo que detesto, inclusive eu mesmo. Ismael Nery: nunca consegui ouvir nem dizer este nome sem sentir uma comoção — mas não sei bem que espécie de comoção eu sinto ouvindo ou dizendo este nome. Há nomes também que me emocionam e me obrigam a inventar um físico para eles. Nunca vi ninguém que escapasse completamente a uma crítica minha — nem eu próprio. Terei que captar a minha sinceridade em alguém que não seja eu, e até muito pelo contrário — que seja bem diferente de mim. Preferiria olhar as mulheres de cabeça para baixo e suspenso por um fio de aço, do que de outra maneira qualquer. A desorganização das coisas não me agrada, também como a organização. Gostaria de ter um criado moral para arrumar o meu cérebro e consolar nas minhas ausências aqueles que moram comigo, de mim e para mim. O meu maior instinto é a paternidade, que aplico a tudo e a todos. A minha maior vontade era ser a sombra de tudo e de todos, a fim de nascer e morrer com tudo e com todos e em todos os tempos. Não haverá um homem que me determine moral e fisicamente? Sou o gérmen de um Deus, toda a gente o é também.

Fonte:
Textos e Poemas de Imael Nery

Pesquisa e coleta de textos feitas por Nelson Ricardo Cândido dos Santos em 1993
textosdeismaelnery.blogspot.com/



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